Fortalecida, Dilma agora pode escolher quem prefere enfrentar no 2º turno
Fernando Rodrigues
Estratégia eficaz na TV permite à petista influir sobre quem será seu adversário
A presidente Dilma Rousseff (PT) chegou a esta fase da campanha eleitoral de 2014 com um trunfo nada desprezível: está em suas mãos a decisão de colocar no segundo turno Marina Silva (PSB) ou Aécio Neves (PSDB). A petista vai escolher quem preferirá enfrentar.
É evidente que Dilma gostaria de vencer ela própria a disputa já no primeiro turno do dia 5.out.2014. Mas essa é uma possibilidade incerta e mais improvável, como mostrou a pesquisa Datafolha realizada ontem e anteontem (29-30.out.2014).
Dilma tem 40% contra 25% de Marina. Aécio está em terceiro, com 20%. As curvas de intenção de voto do Datafolha mostram que Dilma pode ter chegado muito perto de seu limite máximo. Ela tem agora os mesmos 40% da semana passada.
Já Marina parece ainda não ter chegado ao seu piso. E Aécio tem se beneficiado dos votos perdidos pela pessebista. É o tucano, e não Dilma, que parece estar herdando os eleitores em processo de descolamento do marinismo
O que isso significa? Quatro coisas principais:
1) Narrativa do medo deu certo: funcionou muito bem para Dilma a estratégia de bater sem dó nem piedade em Marina nos comerciais de TV. Entrou na cabeça de muitos eleitores o sentimento de dúvida e de medo do desconhecido. A pessebista entrou em curva descendente acentuada;
2) PT aproxima-se do seu patamar: ainda falta um pouco, mas a presidente em busca da reeleição começa a ficar mais perto da taxa de intenção de votos que teve nesta mesma época em 2010 (tinha 47%) e à de Lula às vésperas do primeiro turno em 2006 (46%);
3) Marina desidratou: a candidata a presidente pelo PSB guarda semelhanças com a equipe de futebol do Santos contra a do Barcelona, em Tóquio, na final do campeonato mundial de times da Fifa, em 2011. Mesmo com excelentes jogadores (Neymar e Ganso em forma), o Santos ficou de joelhos enquanto apanhava do Barcelona, até que o placar de 4 a 0 para os espanhóis encerrou o sofrimento. A impressão hoje é que se a eleição fosse apenas em dezembro, Marina terminaria devendo votos, pois reage mal ou não reage aos ataques dos quais vem sendo alvo;
4) Aécio ajudou a tática do PT: mesmo com apenas cerca de 4 minutos na TV, o tucano escolheu bater em Marina. Pode parecer pouco, mas ao dizer que “a Marina é a Dilma com outra roupa”, Aécio contribuiu para a afirmação do nefando processo de “assemelhamento” da política (“os políticos são todos iguais”). De um lado, a campanha presidencial do PT mostrava as inconsistências programáticas de Marina. Do outro, o PSDB dizia que as duas eram a mesma coisa.
Em meio a esse cenário, o eleitor viu ser alimentado o sentimento de desencanto com a política.
Tudo isso levou a uma vitamização inaudita de Dilma Rousseff e da arriscada (e arrojada) estratégia desenhada pelo seu marqueteiro, João Santana.
Hoje, com seus 12 minutos na TV, dezenas e dezenas de comerciais ainda para colocar no ar, Dilma tem duas decisões pela frente. Pode continuar a malhar Marina nos próximos dias antes da eleição e acabar de destruir as chances da candidata do PSB. Alternativamente, pode retirar o pé do acelerador e ajudar o marinismo a passar para o segundo turno no olho mecânico –até porque o processo está em curso e nada pode ser feito de maneira automática, simplesmente apertando um botão.
A definição de Dilma e de João Santana parece clara: o PT prefere mil vezes enfrentar Aécio no segundo turno. E não Marina. Assim como lá atrás, o maior temor dos petistas era que Eduardo Campos (que morreu em 13.ago.2014) pudesse crescer e passar para a fase final da disputa.
Por que havia (com Eduardo) e há (com Marina) esse temor? Simples. Instalou-se no Brasil ao longo dos últimos anos uma fadiga entre os eleitores a respeito da política tradicional. Ninguém mais aguenta chegar em casa, ligar a TV e assistir a mais uma reportagem sobre roubalheira em Brasília com políticos engravatados dizendo “eu posso explicar”.
Num cenário como o atual, quando a eleição torna-se mais equânime (no segundo turno), fica sempre em vantagem política aquele candidato que evoca o “novo” e tem um discurso mais afinado com as manifestações de junho de 2013. Não importa que seja apenas retórica. Há uma demanda aguda na sociedade por mudanças. Mesmo que apareça alguém preenchendo essa necessidade só no gogó, sempre terá chances de prosperar –para o bem e para o mal, diga-se.
Isso não significa que se o segundo turno for entre Dilma e Marina a vitória é certa para o PSB. Claro que não. Mas certamente terminaria o estado de catatonia a que Marina se acorrentou no momento. Não seria tão fácil Dilma pelear com a pessebista se as duas tivessem as mesmas armas (tempo de TV igual e dinheiro).
Na dúvida, Dilma e João Santana sabem que é muito melhor disputar contra algo que já se conhece. O segundo turno do PT contra o PSDB não seria uma moleza para ninguém, mas as táticas já são todas manjadas.
Há também o fato de que Aécio, mesmo que passe para o segundo turno, estará bem debilitado em seu Estado natal, Minas Gerais, onde há reais chances de derrota do candidato do PSDB ao governo mineiro, Pimenta da Veiga. Pior: pode vencer o nome petista, Fernando Pimentel, que vem a ser amigo pessoal de Dilma Rousseff –ambos militaram na luta armada no final dos anos 1960.
Minas Gerais, nunca é demais lembrar, é o segundo maior colégio eleitoral do país. Em 2010, com pouquíssima estrutura, Marina teve forte votação entre os mineiros e poderia repeti-la neste ano, num eventual segundo turno.
Por todas essas razões, Dilma e João Santana tendem a acelerar o quanto puderem o processo de desconstrução de Marina. O comercial que vai à TV nesta quarta-feira (1º.out.2014) é prova disso. A diferença de 5 pontos percentuais que separa a pessebista de Aécio no Datafolha pode ser dilapidada até domingo, dia da eleição, 5.out.2014.
É claro que alguma reação poderá surgir por parte de Marina. Mas essa atitude deveria ter surgido há pelo menos umas duas semanas, no mínimo. Por exemplo, não deixando no ar acusações tão graves como a de que teria mentido a respeito de como votou, no Senado, no caso da CPMF, o imposto do cheque para a saúde.
Talvez nenhum eleitor brasileiro escolherá seu candidato a presidente pensando em como Marina votou sobre a CPMF. É verdade. Mas esse episódio é apenas um entre vários que ajudaram a produzir buracos na embarcação marinista.
João Santana não fez nenhum comercial mortal, para produzir um nocaute. Como numa luta de boxe, foi dando “socos de 30 segundos” no fígado do adversário. E continua na mesma toada.
É curioso que uma política experiente como Marina tenha ficado até agora em estado quase catatônico, sem tentar algum tipo de reação ou resposta mais convincente quando foi atacada. Não vale dizer que ela não teve tempo de TV para se explicar. É só observar que o PSB tampouco teve tempo de TV quando a candidata estava quase 10 pontos percentuais à frente de Dilma, na média das pesquisas.
A OPÇÃO DE AÉCIO
Seria um erro ou uma injustiça dizer que Aécio foi apenas linha auxiliar do PT, incorporando bovinamente a estratégia de João Santana e sentando a pua em Marina? Talvez.
Mas foi exatamente o que aconteceu.
O tucano pode até disparar e vir a vencer a eleição presidencial mais adiante. Tomará posse em 1º de janeiro de 2015. Tudo então será esquecido.
Mas se a vitória não vier, terá de ser creditada ao fato de Aécio não ter enxergado em anos recentes o sentimento geral dos brasileiros a respeito de mudanças. Houve uma última chance para ele em junho de 2013. Aécio poderia ter pensado: “Vai ser difícil eu ganhar uma eleição presidencial apenas com a política tradicional, aliando-me ao DEM e falando com a mesma entonação de meu avô nos discursos públicos”.
A palavra chave na política do século 21 é “conexão”. Os eleitores desejam se sentir conectados aos governantes. Aspiram a um outro tipo de interação em vez de apenas votar uma vez a cada 4 anos para presidente. Querem se sentir participantes do processo.
Aécio ficou longe de incorporar atitudes que pudessem ensejar essa nova abordagem. Até meados deste ano de 2014, o tucano sequer participava de redes sociais. Não tinha perfil no Facebook nem no Twitter.
Alguns dirão: mas se tudo isso é verdade, por que Dilma tem 40% nas pesquisas e pode ganhar? Afinal, a petista pode ser tudo, mas não tem nada a ver com formas modernas de fazer política,
A resposta é simples. Essa nova embocadura dos políticos é esperada de quem pretende fazer oposição. Dilma e todos os governadores que fazem administrações medíocres, mas sem nenhuma grande catástrofe para o dia a dia dos cidadãos, continuam bem fortes.
Contrariamente ao senso comum, o brasileiro é, antes de mais nada, um conservador. Basta ver o sucesso das propagandas com a narrativa do medo, estimulando a dúvida das pessoas a respeito do desconhecido que é Marina –como já elaborei neste post aqui.
Cabe ao opositor estruturado se apresentar como novidade, mas ofertando segurança na transição de um modelo para o outro. Aécio e a política tradicional do PSDB não oferecem isso.
O tucano, é sempre bom ressaltar, pode até acabar vencendo –sobretudo numa eleição com tantas surpresas como a atual. Mas não é o que mostra a lógica do atual ciclo eleitoral. Alguém acredita em docilidade de Dilma e de João Santana no segundo turno?
E é muito importante também olhar para São Paulo. O Estado não está uma maravilha. Sofre com a iminência do esgotamento da água. A sensação de que a segurança vai mal é generalizada. Ainda assim os tucanos, agora com Geraldo Alckmin, vão ficando no poder. Por quê? Porque as alternativas não oferecem, aos olhos dos eleitores, uma relação custo-benefício aceitável: mudar com chances de tudo melhorar.
Os paulistas podem ser classificados de conservadores, mas ninguém pode acusá-los de não enxergar grandes alternativas e novidades em Paulo Skaf (presidente da Fiesp) nem em Alexandre Padilha (político profissional).
No plano federal, Aécio acerta ao dizer que faz campanha contra o PT e contra Dilma. De fato, há eleitores no país que gostariam de mudar.
Só que quando Eduardo Campos morreu, em 13 de agosto, o tucano começou a ficar em pânico porque despencou nas intenções de voto, tendo seus votos corroídos pela onda pró-Marina. A reação espasmódica –e não política– foi atacar a pessebista: “Marina me tira votos? Vou espancá-la”.
Aécio e seus marqueteiros jogaram dama e não xadrez. Não tentaram ganhar o jogo pensando no máximo de movimentos possíveis do adversário. Ao atacarem Marina, desidrataram quem talvez pudesse se robustecer para, de fato, derrotar o PT no segundo turno.
Os tucanos então vão reclamar dizendo: mas você escreve que Aécio está sendo linha auxiliar do PT e está sugerindo que ele fosse linha auxiliar da Marina?
Não, não é nada disso.
Em política ganha o jogo quem faz a melhor análise de conjuntura. Não adianta ficar emburrado e achando que vai ganhar a eleição dizendo “esta é minha vez”. Ulysses Guimarães, venerado por tantos (não por mim), cometeu esse erro. Em 1989 colocou na cabeça que aquela era a vez dele. Teve 4% dos votos. Se em algum momento tivesse optado por montar uma frente ampla contra Fernando Collor, talvez o Brasil pudesse ter sido privado daquele que foi um dos piores presidentes da história do país.
No caso de Aécio, faltou sangue frio. Ele é jovem. Poderia ter participado de uma estratégia mais ampla. Marina vive dizendo que se ganhar ficará só um mandato no Planalto. Em política quatro anos é muito tempo. É sempre temerário firmar um acordo com essa antecedência. Mas essa parecia ser uma janela real para o PSDB tentar retornar ao poder em 2018.
O PSDB e Aécio poderiam ter continuado, como vinham fazendo até agosto, na sua estratégia de falar aos eleitores a respeito do que consideram não funcionar na administração federal do PT. Ao abdicar dessa tarefa e se juntar a Dilma na cruzada anti-Marina, o tucano pode até –isso ainda não é certo– ter conseguido um passe para entrar no segundo turno.
Mas entrará como? Possivelmente, Aécio indo ao segundo turno terá aproximadamente 23% a 25% dos votos totais do dia 5 de outubro. Marina estará um pouco abaixo. Dilma estará lá em cima, com algo na casa dos 40%. Em todas as eleições brasileiras, quem terminou o primeiro turno bem à frente, sempre ganhou a rodada final –essa não é uma regra imutável, mas alguma coisa de lógica existe aí.
O tucano terá então ajudado para que se autocumprisse a “profecia de João Santana”. O marqueteiro disse uma vez que Dilma ficaria nesta eleição flanando no Olimpo enquanto os anões políticos se digladiariam na planície. É exatamente o que está se passando.
Eleições como esta de 2014 são vencidas na política. Dilma fez o diabo, como ela própria disse que poderia fazer. Marina ficou paralisada, esperando a providência divina. E Aécio pensou que ser eleito presidente era como ganhar a eleição para governador de Minas Gerais.
EFEITO COLATERAL
Para terminar este texto excessivamente longo, uma última observação.
Imagine o que acontecerá se Dilma vencer a disputa com a fórmula que todos estamos vendo: muito tempo de TV + aliança ampla de partidos não-ideológicos (perdão pelo pleonasmo “partidos não-ideológicos”) + propaganda negativa tecnicamente perfeita quando as coisas apertam?
Essa passará a ser a receita de ouro de todos os políticos, sejam candidatos a presidente, governador ou a prefeito.
E daí? Daí que as forças hegemônicas farão de tudo e mais um pouco para jamais alterar as bases deste sistema perverso que permite a montagem de alianças na base da fisiologia, como Dilma, Lula e FHC já fizeram.
Quem se importa que os debates no primeiro turno sejam um lixo, com figuras tristes como a de Levy Fidelix produzindo despautérios? O que importa é ganhar a eleição. E o modelo atual dá a muitos políticos o acesso ao paraíso.