Dilma diz que luta “até o último minuto”, fala em vencer e propor pacto
Fernando Rodrigues
Mas petista flerta com a proposta de convocar novas eleições
“Eu respeito a proposta que passe pelo voto popular”
Para presidente, empresário que apoia impeachment é golpista
Temer e Eduardo Cunha: “São associados. Um não age sem o outro”
Se perder, embora negue tal cenário, Dilma se vê “fora do baralho”
A presidente Dilma Rousseff concedeu uma entrevista hoje (13.abr.2016) e disse que vai resistir “até o último minuto” ao processo de impeachment. Afirmou ter uma contabilidade que lhe daria a vitória na votação marcada para domingo. E que no dia seguinte, derrotando a proposta do impedimento, vai propor um “pacto” sem considerar “vencedores nem derrotados”.
Será uma “proposta de pacto, de uma nova repactuação entre todas as forças políticas, sem vencidos e vencedores. Você não faz pacto com ódio. Não faz pacto com retaliação”.
Convidaria a oposição? “Convido todos, querido. Oposição existe. Quando eu falo que tenho que honrar meus 54 milhões de votos, estou falando só uma parte da questão. Tenho de honrar os meus votos e os outros votos. Porque os 2 participaram de um processo eleitoral legítimo. Os meus 54 milhões de votos são os que me legitimam. Mas os que legitimam o processo eleitoral são todos os brasileiros: 110 milhões que saíram de casa, foram lá e votaram. Eles têm de ser respeitados também”.
No que consistiria a proposta? “Vou oferecer um processo de diálogo. Nós temos de olhar todos os lados do Brasil. Mas respeitar as conquistas já adquiridas. Senão, não terá paz social no nosso país. Se você não colocar na mesa também trabalhadores e empresários. O pacto não é só com a oposição. O pacto é com todas as forças econômicas e as forças que são representadas nos movimentos sociais”.
A presidente fez questão de controlar suas declarações ao longo da entrevista para não admitir a possibilidade de derrota. Bem no final, voltou a falar sobre o pacto que pretende oferecer se barrar o impeachment no domingo. Foi confrontada então com a possibilidade de derrota e indagada se também se ofereceria para fazer um pacto. Nesse cenário Dilma disse que estaria “fora do baralho”, mas deixando claro que não acredita nessa hipótese.
A presidente em alguns momentos pareceu estar confusa a respeito dos próximos capítulos da crise política. Falou em vencer na Câmara e depois no Senado. Foi informada então que se barrar o processo de impeachment na Câmara não haveria necessidade de enfrentar uma votação dos senadores. Pareceu surpresa ao conhecer esse trâmite.
A petista também disse não saber exatamente se poderia morar no Palácio da Alvorada no meio do processo de espera de um julgamento pelo Senado –quando ficaria afastada da função por até 180 dias. “Não há uma previsão legal quanto a isso”, declarou.
Na realidade, há uma interpretação firmada desde 1992: o presidente afastado pode morar na residência oficial enquanto não perder o cargo em definitivo. Ao saber dessa interpretação, Dilma reagiu: “Muito obrigada, me deu uma moradia. Não sou uma sem teto”.
Ao mesmo tempo em que fala em vencer e barrar o impeachment, a petista também flerta com a ideia de novas eleições:
“Não vou ficar discutindo uma hipótese. Uma hipótese que contraria o que eu acredito. Acredito que nós temos todas as condições de ganhar [a votação do impeachment] no Congresso Nacional. [Mas] respeito uma proposta que passa por eleição e passa por voto popular. Eu respeito isso. A minha não é essa, mas eu respeito”.
A petista repetiu várias vezes durante a entrevista as críticas que fez nos últimos dias ao vice-presidente da República, Michel Temer, e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB. Referindo-se aos 2, disse:
“Um processo está em curso. Alguém tenta, sem olhar o resultado, fazer um discurso de posse. Eu chamei de golpe, chamei de chefe de golpe e vice-chefe do golpe. Só não sei quem é o chefe e o vice-chefe. Acho que são associados. Um não age sem o outro. Uma parte do golpe depende diretamente do presidente da Câmara”.
O vídeo a seguir é do início da entrevista (durante a conversa, não foi permitido captar mais imagens, mas apenas gravar o áudio):
O ÁUDIO DE MICHEL TEMER
Quando mencionou o episódio desta semana, com a publicação de um áudio do que seria um discurso de Michel Temer em caso de o impeachment ser aprovado, Dilma acusou o seu vice de ter mentido a respeito do caso:
“O vazamento é interessantíssimo. Eu nunca vi você vazar para si mesmo. O vazamento para si mesmo é algo fantástico. Foi tratado como vazamento, quando não foi um vazamento. Era uma manifestação deliberada nunca antes vista na história do mundo”.
Segundo a explicação oferecida por Michel Temer, em uma entrevista, ele enviou o arquivo de áudio de maneira inadvertida por meio do aplicativo de celular WhatsApp para um grupo de deputados.
EMPRESÁRIOS
Indagada a respeito de empresários que apoiam o processo de impeachment abertamente –donos de shoppings, por exemplo, pretende fechar os estabelecimentos no domingo–, a presidente demonstrou uma certa irritação.
“Não há nenhum pecado original em ser empresário. Mas também não há nenhuma salvação definitiva. Todos nós somos o que somos. Se você defende a interrupção de um mandato legalmente constituído. Se você acha que sem prova consegue tirar um presidente da República do seu cargo, isso é golpismo. Independentemente do que você seja: empresário, trabalhador”.
Em seguida veio uma pergunta se era correto extrapolar a interpretação para todos os cidadãos que têm expressado simpatia pelo impeachment. A presidente respondeu afirmativamente:
“Pedreiro, engenheiro, professor ou empresário: nós estamos falando de cidadãos. Se o cidadão ‘A’ defende essa posição, o cidadão ‘A’ é golpista do meu ponto de vista”.
Para a presidente, entretanto, a atitude que ela chama de “golpista” é mais presente no meio político. “No Congresso aparece com maior nitidez”, afirma.
AUTOCRÍTICA
Errou alguma coisa na relação com o Congresso? “Vocês adoram que eu faça autocrítica. Eu não posso ficar fazendo autocrítica só para contentar [vocês] porque não muda uma vírgula da realidade. Uma vírgula”.
BRASIL PÓS-IMPEACHMENT
“Não dá para fazer o salto no escuro de um impeachment fraudulento, sem base legal. Não estou dizendo que isso terá consequências imediatas. Eu não sei. Mas marcará profundamente, indelevelmente, a história do presidencialismo do Brasil. Estou falando daqueles que fazem isso e têm de saber as consequências de seus atos. Estou fazendo uma denúncia. Tem um estado de golpe sendo conspirado no Brasil. Aqueles que agem a favor abertamente e os que agem ocultamente serão responsáveis. Não se pode supor que certos atos políticos são sem consequência”.
JUDICIALIZAÇÃO
Pretende levar o impeachment para a Justiça, apresentando ações ao STF? “Não te garanto ainda. Não tenho a avaliação do jurídico do governo. Não sei quando faremos. Nós não sabemos se vamos, quando vamos, se formos”.
SONO E ESTADO DE ESPÍRITO
A presidente falou que tem mantido a rotina e que dorme bem, sem a ajuda de remédios:
“Alguém se está ruim levanta e vai andar de bicicleta às 10 pras 6h? E anda 50 minutos no mínimo? E faz musculação? Você acha que isso é possível? Eu durmo bem dormido e não tomo remédio. Eu durmo muito fácil”.
Dorme cedo? “Não durmo cedo. Começo a ter muito sono ali pelas 22h30. Se eu achasse que eu tinha cometido alguma coisa que merecesse tudo isso [o processo de impeachment] eu não dormia, não. Mas eu acho que eu não fiz”.
EDUARDO CUNHA TEM CONTA NO EXTERIOR
Ao falar sobre o presidente da Câmara dos Deputados, a presidente afirmou de maneira peremptória que Eduardo Cunha tem contas bancárias no exterior –o que o peemedebista nega.
“Uma das questões mais perversas é quem preside o meu impeachment. Inequivocamente, essa pessoa pratica desvio de conduta. [E] como já disse várias vezes, ao contrário dele, eu não tenho contas no exterior. Ao contrário dele, eu não tenho nenhuma das acusações que recaem sobre ele”
E completou: “O que eu acho mais grave não é que ele presida o impeachment. O que eu acho mais grave é que a proposta que está na mesa contra a minha permanência no cargo de presidente tenha ele como vice. Ele será o vice-presidente da República e tem com o atual vice-presidente da República uma relação de profunda sociedade. São associados”.
COMO CONSEGUIRÁ VOTOS NO DOMINGO
A presidente reiterou ter condições de vencer a votação do impeachment no domingo. Mas não explicou exatamente como:
“Nesta reta final, estamos sofrendo uma guerra psicológica, que é assim: [dizer] que eu tenho os votos que ele não tem, [dizer] eu tenho uma lista que ele não tem. Esse processo tem um objetivo: construir uma situação de efeito dominó. De um lado. De outro lado. Você tem situações das mais variadas possíveis. Os partidos saem do governo e as pessoas ficam. Não há uma relação tão linear entre o líder e os liderados”.
Dilma falou sobre o Planalto esperar repetir no plenário da Câmara o mesmo percentual de votos que teve na Comissão Especial do Impeachment –41,5%. Mas a realidade tem mudado nos últimos dias, reconheceu. “É óbvio que é com o passar dos dias vai tendo de ser refeito [o percentual de 41,5%], reavaliado. O governo faz isso também, reavalia”.
CONCEITOS DE ECONOMIA
A presidente falou um pouco sobre o que pensa da condução da economia do país. Disse que em países como o Brasil é errado achar que o Estado deve cuidar apenas de saúde, educação e segurança:
“É uma visão primária ter, no Brasil, a visão de Estado mínimo. Estado mínimo é compatível com países desenvolvidos. Mesmo assim, alguns não fazem isso. Exemplo, a Dinamarca, a Escandinávia toda”.
“Pegar o Brasil e achar que se resolve o problema dos brasileiros e do país [com um Estado mínimo], ignorando a quantidade de atraso, de herança maldita, de anos e anos em que uma parte da população foi retirada dos benefícios da riqueza é ter uma proposta completamente dissonante em relação à realidade”.
“Isso é uma coisa. Outra é achar que o Estado precisa fazer coisas que ele não precisa. O Estado pode não fazer várias coisas porque ele não precisa fazer. Não tem de gastar dinheiro com aquilo que a iniciativa privada faz muito melhor, muito mais rápido e [de maneira] mais eficiente. Nós temos obras muito bem sucedidas nos aeroportos. Temos uma experiência muito bem sucedida em concessões. As empresas brasileiras construtoras têm de ser encaradas como agentes de desenvolvimento e não como agentes de corrupção. Tem de impedir que se demonize empresas porque nós precisamos de empresas que constroem”.
MAIS IMPOSTOS
Tem saída fora da recriação da CPMF? Dilma: “Eu não vejo”.
“Os que falam que não querem pagar o pato são aqueles que têm na arrecadação do Sistema S uma das fontes da sua renda. Ou nós discutimos às claras o que é a estrutura tributária do país ou não dá certo”, disse a petista. Foi uma referência à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que faz uma campanha contra a CPMF.
SISTEMA POLÍTICO
A presidente falou várias vezes sobre a necessidade de haver uma reforma política no Brasil.
“O sistema político brasileiro se mostra muito receptivo a expedientes golpistas e inconstitucionais. Por quê? Porque é frágil. Precisamos de uma reforma política que defina em que condições se aceitará a formação dos partidos, como é que é o modelo de voto, como se dará a relação do Parlamento com o Executivo”.
“Não é para me beneficiar, porque beneficia o próximo. É fundamental que se transforme o jeito de fazer política e de governar o Brasil. Todos os que se sentarem nesta cadeira [apontando para o móvel] enfrentarão isso [crises políticas como a do atual pedido de impeachment] em maior ou menor grau, no curto, no médio ou no longo prazo. É inexorável”.
ANTIPOLÍTICA
Ao mencionar as manifestações de 13.mar.2016, Dilma disse ter percebido que os protestos foram contra todos os políticos em geral, exceto contra “o juiz”, numa referência a Sérgio Moro, o magistrado que cuida da Operação Lava Jato.
“Essa versão de que a política é ruim, é suja, não contribui. Só vai acirrar o ‘apoliticismo’ [sic]. O ‘apoliticismo’ serve a interesses políticos poderosos. Uma das características estarrecedoras daquela manifestação do dia 13 de março foi a rejeição da política. Esta característica nunca levou a nada de bom”.
“Você precisa valorizar a política. Para ter a população, as pessoas querendo participar. A desqualificação da política é muito ruim. Isso não representa uma posição de rebeldia. Isso representa uma das posições mais conservadoras que historicamente levaram a regimes de exceção. Faz parte do processo de despolitização, faz parte do processo de rejeição da atividade política o surgimento de salvadores da pátria”.
A ENTREVISTA
A entrevista da presidente da República foi definida no final da tarde de ontem (12.abr.2016), quando os repórteres começaram a ser convidados. Participaram 10 jornalistas:
Ana Dubeux (jornal “Correio Braziliense”), André Barrocal (revista “Carta Capital”), Claudia Safatle (jornal “Valor Econômico”), Cristiana Lôbo (GloboNews), Cynara Menezes (Blog Socialista Morena), Fernando Rodrigues (UOL), Lauro Jardim (jornal “O Globo”), Luis Nassif (site GGN), Ricardo Galhardo (jornal “O Estado de S.Paulo) e Valdo Cruz (jornal “Folha de S.Paulo”). A conversa foi no gabinete presidencial, no 3º andar do Palácio do Planalto. Todos se sentaram em torno de uma mesa de reuniões de madeira redonda que serve para essas ocasiões.
A presidente estava vestindo uma blusa fina de um tecido que parecia ser voal da cor preta e com bolas brancas. Usava uma calça preta do tipo legging, de tecido elástico.
O encontro começou às 11h11 (estava marcado para 11h). Terminou pouco depois de 13h30. Foram servidas várias rodadas de café e água. Ao final, quando todos já estavam de pé para sair, um garçom apareceu com uma travessa de pães-de-queijo quentes.
Quando os jornalistas se despediam da presidente, a petista fez algumas observações sobre a vida no poder. Uma jornalista perguntou: “A senhora é feliz sendo presidente?”
“Sou de uma certa forma”, respondeu Dilma. Como assim, “de uma certa forma?”, quis saber a jornalista. E a presidente: “É que eu acho que essa é uma pergunta que nenhum de nós consegue responder direito. Não existe um estado de felicidade constante. Ninguém é assim”.
O assunto sobre felicidade foi abordado após Dilma fazer uma citação melancólica do cineasta italiano Vittorio Gassman (1922-2000). “Vittorio Gassman deu uma entrevista que dizia que devia ter duas vidas. Uma para ensaiar, outra para viver. Então, eu tinha de ter ensaiado. Mas fui obrigada a viver”.
Dilma, no início da entrevista no Palácio do Planalto
[este texto foi publicado às 14h32 de 13.abrl.2016 e atualizado com algumas correções e mais trechos da entrevista até 16h30 da mesma data]
[Leia aqui a transcrição do áudio da entrevista, sem revisão]