Análise: Lula dará oxigênio para Dilma e não deve ser subestimado
Fernando Rodrigues
Os próximos 60 dias serão cruciais para o ex-presidente
Tarefa máxima é frear impeachment e reativar a economia
Receita: fisiologia na política e heterodoxia na economia
O ímpeto de todos que acompanham a vida política em Brasília é torcer o nariz para a nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil.
Sob vários aspectos, parece ser um despautério que a presidente Dilma Rousseff esteja cedendo a cadeira para o antecessor em meio a uma grande crise política –que coloca a administração petista em fase quase terminal.
É tentador dizer que “acabou o governo Dilma e Lula começa seu 3º mandato”.
Tudo isso é verdade. Mas e daí? A pergunta que todos tentam responder é: Dilma (ou o que restou do governo dela) ganhará oxigênio para ficar na cadeira até dezembro de 2018?
É necessário ter frieza para ponderar sobre o que se passa e quais podem ser os cenários possíveis com Lula mandando e desmandando dentro do Palácio do Planalto.
CENÁRIO DA OPOSIÇÃO
Um tucano ou qualquer outro opositor de Dilma Rousseff faz o seguinte desenho das próximas semanas:
1) heterodoxia – Lula monta um time mais desenvolvimentista nos postos chave do governo. Os mercados percebem que nada vai funcionar. O dólar dispara. A Bolsa cai;
2) recessão – os indicadores econômicos seguem em forte deterioração, sobretudo com o aumento da taxa de desemprego;
3) Lava Jato – a investigação continua a trazer novidades e deixando ainda mais encrencados os integrantes do governo Dilma. E mais: uma leva de deputados e senadores também pode entrar em rota de perda de mandato. O Congresso fica paralisado e retroalimenta a crise. O mundo político petista, depois de uma breve euforia com a chegada de seu líder Lula, também começará a cair em desânimo;
4) impeachment inapelável – a Comissão Especial do Impeachment estará, em teoria, terminando seus trabalhos por volta do final de abril ou início de maio. Nesse momento, a economia estará em sua pior hora. Os escândalos da Lava Jato estarão ainda pulsando no noticiário. No plenário da Câmara, o impedimento acabará aprovado.
Esse cenário da oposição pode até se materializar, mas é preciso mostrar alguns pontos em aberto. Eis as 3 incertezas:
Michel Temer: o vice-presidente da República continuará incólume, mesmo depois de já ter sido citado algumas vezes nas apurações da Lava Jato? Que poder de aglutinação de forças políticas terá Michel Temer para montar uma ampla aliança e governar o país num eventual pós-Dilma?
Em 1992, o então vice-presidente, Itamar Franco, também não era um gênio da política. Mas todas as forças do establishment partidário estavam ao seu lado. Hoje, esse cenário não existe a favor da oposição.
PMDB: o partido tem hoje 7 ministérios. Há disposição da sigla para envergar um projeto traumático como o do impeachment para, ao final, ter novamente… 7 ministérios?
PSDB fragmentado: até agora os tucanos não se entendem sobre quem deveria comandar o processo de transição num pós-Dilma. Há sempre 3 postulantes ao cargo de tucano-mor: Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. Um deles, Aécio, volta e meia é citado em depoimentos da Lava Jato.
CENÁRIO GOVERNISTA
Há também que considerar como será a movimentação de Lula pelos meandros da política e da montagem do governo nos próximos dias. Eis o que parece ser exequível neste momento, conforme o Blog ouviu em Brasília:
1) heterodoxia – Lula de fato deve dar prioridade a uma pegada desenvolvimentista na economia. Mas também convidará para o “sacrifício” de estar no governo alguns amigos. Por exemplo, Henrique Meirelles (para algum cargo importante na economia) e Nelson Jobim (para comandar a área jurídica ou até o Ministério da Justiça).
Dilma detesta Meirelles e Jobim. Aliás, Jobim deixou a cadeira de ministro da Defesa em julho de 2011, logo depois de admitir que havia votado em José Serra (PSDB) e não na petista em 2010.
O fato é que com nomes respeitados em cargos relevantes, Lula acha que pode conseguir a mágica de adotar medidas heterodoxas sem perder credibilidade diante do mercado. Por exemplo, o uso de reservas cambiais para aquecer a economia com força;
2) recessão mitigada – ao despejar dinheiro sem medo de ser feliz em setores com uso intensivo de mão de obra, como a construção civil (Minha Casa Minha Vida e obras de infraestrutura em geral), Lula pode encontrar uma forma de frear o avanço do desemprego.
3) Lava Jato – a investigação é um problema quase insolúvel, pois tornou-se incontrolável. Mas com mudanças na condução da Polícia Federal, o ex-presidente pode ganhar algum tempo. O sonho dourado do governo é atravessar 2016. Depois, pela teoria dilmista-lulista, as melancias se acomodam na carroceria do caminhão.
4) impeachment controlado – o governo tentará de todas as formas postergar a votação do impeachment. Quer conseguir o mínimo necessário para barrar a iniciativa (são necessários 1/3 mais 1 dos 513 deputados federais; ou seja, 172 votos). Lula trabalhará naquilo que faz melhor: a pequena política, as conversas reservadas com o baixo clero do Congresso. No entender do governo, o ex-presidente conseguirá segurar um núcleo mínimo de 200 a 220 deputados, suficiente para sepultar o pedido de impeachment em andamento.
É evidente que os cenários do governo e da oposição têm furos. Nenhum vai se tornar realidade na íntegra.
O que deve ser observado a partir de agora: os primeiros movimentos de Lula, a capacidade do ex-presidente de trazer notáveis para sentarem ao seu lado em Brasília e a reação dos agentes políticos e econômicos. O ex-presidente tem exíguos 60 dias para “performar”, como se diz no mercado financeiro. O primeiro mata-burro será no vencimento de 30 dias de prazo que o PMDB se autoconcedeu para ficar ou sair do governo –vence em 12 de abril.
Hoje, com o ambiente tóxico da política, parece que Lula está fadado ao fracasso. Mas como disse Aloizio Mercadante, o ministro da Educação que pretendeu ajudar Delcídio do Amaral, “em política tudo pode”.