Atuação ambígua de Temer sobre dívidas de Estados fragilizou Meirelles
Fernando Rodrigues
Ministro foi derrotado em votação na Câmara
Veto de Temer desagrega aliados no Congresso
Fazenda soltou nota sugerindo veto presidencial
A votação do acordo da dívida dos Estados nesta 3ª feira (20.dez.2016) pela Câmara emparedou o presidente Michel Temer. O veto ou a sanção ao texto indicarão o quanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estará prestigiado à frente da pasta.
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A sessão de ontem deixou algumas dúvidas no ar. A Fazenda era contra a flexibilização das condições oferecidas aos Estados. Em teoria, o Palácio do Planalto sustentava a posição assumida publicamente por Henrique Meirelles.
Mas se havia de fato harmonia entre Planalto e Fazenda, por que Michel Temer não telefonou para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e não fez 1 apelo para que o texto do acordo com os Estados fosse mantido inalterado? Não se sabe.
O fato é que Michel Temer não se empenhou ou se esforçou menos do que podia para controlar uma votação cujos resultados principais foram estes: 1) os Estados continuam sem grande pressão para fazer 1 ajuste fiscal e 2) Henrique Meirelles saiu derrotado e fragilizado do episódio.
Pode-se argumentar que Michel Temer é 1 homem do Congresso. Que sabe quando não adianta lutar contra a maioria dos deputados. Tudo bem. Mas poderia então, pelo menos, ter construído uma estratégia menos constrangedora para seu ministro da Fazenda.
Agora, o veto ou a sanção do presidente ao projeto aprovado no Congresso deixará claro de que lado ele está na disputa entre a área política e econômica. Se vetar, fortalece seu ministro. Mas pode deixar sua base de apoio na Câmara insatisfeita.
Caso Temer sancione, Meirelles ficará numa inescapável situação de fragilidade. Alguns dirão até que seria um cenário insustentável para o ministro conduzir a economia num momento decisivo –que requer ajuste fiscal e medidas para estimular a retomada do crescimento.
No texto aprovado pela Câmara nesta 3a feira (20.dez), foram excluídas as contrapartidas de ajuste dos Estados negociadas por Meirelles no Senado.
Após o revés, o Ministério da Fazenda soltou nota sinalizando a possibilidade Temer vetar o projeto. Afirma que o “Congresso Nacional é soberano”. Mas com uma ressalva: “O próximo passo será a análise do presidente da República do texto aprovado para a sua eventual sanção”.
O imbróglio da votação do acordo da dívida dos Estados pode ser resumido assim:
- omissão/fragilidade de Michel Temer: o presidente deixou correr solto o processo na Câmara (ou, pelo menos, com menos rigidez do que deveria);
- quem perdeu: Câmara e governadores derrotaram União e equipe econômica. O líder do governo na Câmara, André Moura, pavimentou o caminho para sua saída da cadeira;
- queda de braço: há agora uma inevitável disputa entre as áreas política e econômica;
- hipótese 1 – vetar: se Michel Temer vetar o acordo, deixará sua base de apoio na Câmara insatisfeita. Haveria risco de 1 movimento para derrubar o veto;
- hipótese 2 – não vetar: se Michel Temer não vetar, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sairá fragilizado do episódio;
- quem venceu: ao agradar a maioria dos deputados, Rodrigo Maia se fortalece como candidato à reeleição como presidente da Casa.
MEIRELLES MINIMIZA IMPACTO
Em Curitiba (PR), onde cumpria agenda oficial ontem, o ministro da Fazenda deu declarações minimizando o impacto da derrota na Câmara.
Meirelles disse que o texto aprovado pela Câmara será analisado “com lupa, olhando cada palavra”. E acrescentou: “Mesmo com a retirada [das contrapartidas do Estados para aderirem ao acordo de renegociação de suas dívidas] continua a mesma coisa. Ele [Estado] apresenta um plano de recuperação, e o Ministério da Fazenda recomenda ou não, e o presidente da República aprova ou não”.
Na realidade, não é bem assim. Agora, toda a negociação foi transferida da esfera legal-econômica para a política.
O presidente da República tem, é claro, o poder discricionário para aceitar ou rejeitar propostas frouxas de ajuste fiscal oferecidas pelos Estados.
Ocorre que Michel Temer não terá a força da lei para amparar a exigência de contrapartidas. Enfrentará um cenário politicamente difícil. Terá de afrontar governadores, deputados federais e políticos em geral para impor sacrifícios financeiros (por mais lógicos que sejam) como condição para aliviar o pagamento das dívidas estaduais com a União.
O presidente apresentou sua narrativa para o episódio ontem (3ª), após as 23h. O site do Palácio do Planalto postou um vídeo de 1 minuto e meio com Michel Temer falando.
“Hoje ainda a Câmara Federal aprovou um projeto, e lá havia (…) estas contrapartidas que foram retiradas, embora se mantivesse a tese e o preceito da recuperação fiscal. Mas isso não significa que a União, quando firmar o contrato com os estados, não irá exigir estas contrapartidas. Elas serão indispensáveis para que se viabilize a recuperação fiscal prevista na lei”, declarou Temer. Assista ao vídeo a seguir:
A fala presidencial corrobora a do ministro da Fazenda. Na prática, entretanto, não reduz o impacto do que foi aprovado pelos deputados. A União ficou sem anteparos legais robustos para exigir dos Estados um ajuste fiscal rigoroso. Tudo estará restrito ao campo da política –um reino no qual tudo é muito mais flexível.
OUTRA DERROTA: REPATRIAÇÃO
O acordo mais frouxo sobre as dívidas dos Estados não é a única derrota da equipe econômica nos últimos dias.
Ontem (3ª), o Planalto antecipou para já a entrega para prefeituras de recursos extras da repatriação.
Trata-se do dinheiro arrecadado com a multa sobre impostos pagos por contribuintes que aderiram ao programa de repatriação.
O Ministério da Fazenda era contra repartir esses recursos com Estados e municípios. Depois, passou a aceitar apenas repassar uma parte aos Estados, mas sob a condição de um acordo para que os governadores fizessem um duro ajuste fiscal.
Tudo foi sendo derrubado aos poucos. Em vez de assinar um acordo rígido, os Estados só tiveram de subscrever uma espécie de carta de intenções. Depois, aceitou-se repassar também o dinheiro às cidades em janeiro.
Até essa data teve de ser antecipada, pois muitos prefeitos foram bater à porta do Planalto. Todo o dinheiro, cerca de R$ 10 bilhões, será entregue a prefeitos e governadores antes do dia 31 de dezembro de 2016.
Nada disso estava nos planos da Fazenda. Meirelles perdeu também essa disputa para os operadores da política na administração Temer.